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É uma manhã de sol e estou sozinha em casa, pensando que nesse momento o Pier Mauá já pode estar em obras, os CEPACs negociados, o PEU das Vargens aprovado. Tenho vontade de gritar, não sei, fazer qualquer coisa capaz de sustar, por um instante que seja, essa irrealidade cotidiana que ameaça minha cidade. Num ímpeto quiçá juvenil, lanço então meu manifesto solitário pelo Rio. Escrevi-o no plural, imaginando adesões que talvez nunca venham. Ou por milagre virão, e não tarde demais.
MANIFESTO PELO RIO
Nós, arquitetos, urbanistas, cidadãos e amantes do Rio de Janeiro, repudiamos a maneira espúria como essa cidade tem sido tratada pelo poder municipal.
Queremos, sim, que o Rio de Janeiro seja capaz de reverter o enorme processo de degradação que vem sofrendo nos últimos 50 anos. Que a área portuária seja revitalizada, a baía de Guanabara despoluída, o desmatamento da Mata Altântica freado, os problemas de habitação, transporte, lixo e violência urbana equacionados.
Mas queremos também que todo esse processo seja conduzido com transparência, seriedade e senso público, e não de maneira obscura, por meio de projetos feitos às pressas, sem qualquer conexão entre si e à revelia até mesmo do Plano Diretor.
Queremos uma cidade democrática, humana e viva, em que os técnicos e especialistas sejam ouvidos e as demandas da população direta ou indiretamente envolvida possam ser atendidas. Queremos concursos públicos de projetos, abertos a todos, que contribuam para ativar uma discussão pública cada vez mais necessária sobre a cidade. Queremos arquitetura e urbanismo de qualidade.
Ofende-nos a postura da Secretaria de Urbanismo, que em vez de apresentar e discutir suas propostas abertamente, tem se limitado a responder, através de sua assessoria de imprensa, que os esclarecimentos à opinião pública só serão dados após a aprovação dos projetos. Isso é um autoritarismo inaceitável, que fere o estado democrático de direito, desrespeita o Estatuto da Cidade e levanta muitas dúvidas sobre as motivações e interesses aí envolvidos.
A cidade do Rio de Janeiro, que é marcada por tantos exemplares arquitetônicos consagrados internacionalmente, não pode ser condenada agora a engolir projetos apócrifos, altamente questionáveis do ponto de vista de seu impacto ambiental e social e da sua contribuição arquitetônica e urbanística. Se novas perspectivas se abrem, e grandes eventos esportivos como a Copa e as Olimpíadas são uma oportunidade, que eles deixem como legado também a revitalização da arquitetura e do urbanismo carioca, e não uma miséria ainda mais assombrosa do que aquela que já vivemos.
Rio de Janeiro, 30 de outubro de 2009